RECONCILIAÇÃO


Em plena segunda-feira Cláudia me ligou. Estava chorando muito
- Mataram o Vítor – me disse.

Vítor era seu namorado. E Cláudia minha ex-esposa que sempre me ligava em situações difíceis. Ou para pedir dinheiro, dizendo que era para comprar roupas para o Júnior, nosso filho. Mas eu sabia que ela gastava tudo em cocaína. Mas não me importava, pois eu ainda a amava.
- Como assim? – fingi preocupação.
- Assalto. Esfaquearam várias vezes pelas costas. Ai, mas tá estranho, pois não levaram nada dele.
- Calma, amo... digo, Cláudia. Já estou indo aí.
No caminho passei na casa do Jorjão.
- Cara, não precisavam ser facadas – reclamei. - Eu disse que não era para o homem sofrer. Podia ser um tiro na cabeça.
Jorjão me ofereceu uma cerveja.

- Calma, Ed. O que importa é que deu certo. E a vadia?

- Não fala assim da Cláudia. Estou indo pra lá agora. No caminho já pego o teu dinheiro e te entrego amanhã. Pode ser?

Jorjão concordou e voltou para frente da tevê. E eu fui ver Cláudia. Quando cheguei ela me abraçou. Eu fiz um carinho em seus cabelos. Ela adorava. Então beijei de leve sua bochecha, depois toquei em seus lábios. Ela não recuou e nos beijamos. Júnior apareceu e ficamos os três abraçados. Éramos uma linda família.

ESTOU ENLOUQUECENDO, NÃO ESTOU?


Lívia tinha medo até mesmo de sair para o quintal de sua casa. Havia tentado vários tratamentos, mas nada adiantava. Ela congelava e entrava em surto ao sair na rua. Na verdade aquilo até me parecia interessante. Pois não era preciso inventar desculpas para não ir a festas, encontros, ver pessoas, e, principalmente, não era preciso ir ao trabalho. E ninguém a cobraria por isso. Além do mais, recebia um pequeno benefício devido sua doença. Eu fazia visitas toda semana e depois de bebermos e treparmos eu até a convidava para ir tomar um ar na rua, mas não adiantava. Ela começava a chorar só de pensar. Eu a entendia. Eu não tinha agorafobia, mas também sentia vontade de chorar ao enfrentar a realidade cotidiana. Quem não tem, não é mesmo? Claro que existem aqueles que pensam ser importantes em algo e se contentam com os farelos dos outros e ainda se divertem com isso.

Num domingo fui ver Lívia, e ela estava sentada em frente de casa.
- Lívia? O que houve? – perguntei contente por ela parecer ter melhorado.
- Quem é Lívia? – me respondeu um pouco assustada. – E quem é você?
Ela se levantou e correu para dentro. Fui atrás. Então ela apareceu com uma faca e acertou de raspão o meu pescoço. Recuei e ela avançou novamente. Estava enlouquecida. Quando então caímos no chão, tirei sua faca e ela me encarou com aquele seu velho olhar de medo.
- Tudo bem – eu disse. – Vamos para dentro.
- Estou enlouquecendo, não estou? – me perguntou chorando.
- Claro que não. Vamos deitar um pouco.
Depois de um cigarro ela se acalmou. Desci para a sala e liguei para a clínica, conforme recomendações da psiquiatra, caso ele agisse daquela forma. Já era esperado. Dentro de algumas horas Lívia estava sendo levada em uma camisa de força para sua internação. Liguei para a sua irmã, Leila.
- Oi. Eles já a levaram - disse eu.
Quando Leila apareceu, ela foi direto abrir o cofre da família. Após ela tirar o dinheiro e as joias eu dei um tiro na sua testa e liguei para a psiquiatra de Lívia.
- Está feito – falei
- Ok. Estou indo.
Servi um drink e fiquei esperando.

FILHO DA PUTA DE UMA FIGA


Eu andava desesperado. Minha esposa havia falecido e eu perdido o emprego. E estava devendo uma grana para um tipo de gente que detestava devedores. Aliás, quem não detesta? O problema era que eles não aceitavam que devedores vivessem. Eu já estava pensando em suicídio enquanto tomava uma cerveja fiado quando um senhor fez sinal para eu sentar em sua mesa. Foi estranho, pois senti que precisava obedecer, então peguei minha bebida e fui até lá.
- Olá – falei.
O velho cheirava a mofo. Tirou os óculos escuros e me encarou.
- Eu posso acabar com o peso dessa sua vida de merda agora mesmo.
Nem me perguntei como ele sabia que eu estava fodido. Algo me atraiu e eu apenas ouvi, acreditando nele, assim como fazem aquelas pessoas ignorantes que depositam dinheiro na conta de um Deus que irá lhes alugar um kitnet no céu quando elas morrerem. Parecia um feitiço. Vai ver ele fosse o diabo. Foda-se, pensei.
- Bem, eu adoraria, mas antes me diga, você é o diabo? – perguntei irônico.
Ele deu uma risada com seus dentes amarelos e apenas tocou em mim com sua mão fria.
- De qualquer forma, você não iria recuperar minha vida de graça. E eu já estou devendo até a alma – argumentei desanimado.
- Pois é dela que eu preciso. Sua alma – ele sorriu. – Me alimento da alma de perdedores como você.
- Só isso?
- Sim.
- Ok. Toda sua – sorri.
O velho me segurou pelos ombros e eu senti algo como uma descarga elétrica. Minha visão escureceu. Senti o coração acelerar. Pensei que ia morrer quando senti uma leveza no corpo. O homem havia sumido da minha frente.
Quando cheguei em casa, Lívia – minha mulher que eu pensava estar morta – estava preparando o jantar. Estava de camisa e calcinha. Fiquei apenas olhando.
- Oi, baby – falou. – Ligaram do seu trabalho.
- Que trabalho?
- Ai, baby! Já tá locão? Bem, eles pediram para você retornar.
Liguei para o trabalho que eu tinha e falei com meu ex-patrão.
- Ed, seu filho de uma puta – gritou ao telefone. – Os investidores fecharam aquele negócio que você havia sugerido. Desculpe por duvidar de você. Bem, estamos ricos. Amanhã nos falamos. E vamos comemorar. Filha da puta de uma figa.
Desliguei e fiquei parado tentando assimilar as coisas. Minha esposa gritou da cozinha dizendo que o jantar estava pronto. Ela havia feito lasanha. Eu adorava lasanha.

PROTAGONISMOS


Não significava que ela fosse impaciente. Apenas não concordava com a postura adestrada que insistiam em lhe impor. Como se fosse igual a todas aquelas pessoas que não paravam de falar sobre esperanças que nunca seriam concretizadas, sobre a grana que nunca conseguiriam, sobre o emprego onde acreditavam estarem seguras.
Não, ela definitivamente não era igual a todos que acreditavam serem protagonistas de suas vidas. Mas assim preferia, pois poupava esforços que sabia não levariam a nada.

MAL ENTENDIDO


Ele apareceu tropeçando e quase caindo sobre minha mesa. Completamente bêbado.
- Acabei – falou.

- Que bom. Agora te controla.
Ele soltou uma risada e todos olharam. O chutei por de baixo da mesa.
- Acabei – repetiu.
- Entendi, porra. Não precisa repetir.
- Se entendeu, deve entender também que agora você está me devendo.
- Vamos lá buscar a grana – falei, me levantando.
Tive que segurá-lo pelo braço para não cair de bêbado. Suas calças estavam molhadas. Estava tão humilhante quanto as pessoas que trabalham dez horas por dia e ainda aceitam deixar suas famílias em casa para fazerem horas extras enquanto o chefe está no motel com a estagiária.
Quando chegamos no carro, tive que revistá-lo. Nada. Então liguei para o Matias. Ele não imaginava que eu tinha um contato como Matias. E como era de se esperar, o serviço não havia sido feito.
- Você conhece o Matias? – perguntei com muita calma.
Ele emitiu um sussurro incompreensível de bêbado.
- Pois ele é o cara que acabou de autorizar o teu assassinato por não ter feito o nosso combinado.
- Eu fiz. Onde está a grana?
Dei um tiro em seu peito e o joguei para dentro do porta-malas. Meu telefone tocou. Era o Matias.
- Cara, houve um engano – disse ele. – O serviço foi feito, sim.
Acendi um cigarro esperando o sol nascer e liguei para Lisi para avisar que eu chegaria mais tarde.

ESPETÁCULOS


Decidiu ficar porque sabia que sempre, sempre. Mas sempre eram as mesmas conversas sobre os mesmos assuntos que faziam surgir os mesmos sorrisos naqueles mesmos rostos apáticos.
E o mais incrível era que acreditavam em todo aquele circo e aplaudiam os seus próprios espetáculos, alimentados por ilusões que serviam apenas como apoio para sentirem-se vivas. Sem saber que esse sentimento também não passava de ilusão.

O ENCONTRO


- O que você faz?
- Sou músico.
- Tá, mas você não trabalha?