ANTISSOCIAL


Vi aquela mulher no ônibus lendo um livro sobre como conquistar amigos. Perguntava-me o quão solitária deveria ser uma pessoa para ler algo desse tipo. Um manual para cativar pessoas? Isso que eu chamo de falta de personalidade. E não era feia, não. Eu mesmo faria amizade com ela bem rápido. Se ela não fosse alguém que lesse um livro sobre como fazer amigos. Devia ser uma daquelas pessoas chatas e pragmáticas, com ideologias hipócritas que sentem medo de expressar suas opiniões para poderem ser aceitas.

A senhora ao seu lado levantou-se e eu sentei em seu lugar.

- Bom dia. – Falou a garota que estava aprendendo a fazer amigos.

É estranho receber um bom-dia de um estranho assim de repente.

- Bom dia. – Devolvi.

Com certeza era algo que ela aprendera no livro. Certo que era uma lição. Por isso aquele bom-dia. Mas para mostrar que qualquer tipo de teoria era pura conversa, eu não demonstrei qualquer simpatia. Dei meu bom-dia sem olhar para ela. Eu não ia entrar no seu joguinho, pensei, meio paranóico.

Ela retirou dois bombons da bolsa e me ofereceu um. Com certeza se utilizando de alguma outra lição de seu manualzinho.

A verdade é que aceitei. E estava bom. Era de rum. Então ela começou a puxar conversa sobre os bombons e sobre rum, e logo falava sobre o frio, o que me levou a comentar sobre vinhos, e que me levou a chegar à conclusão de que eu estava sendo pego.

Ao me despedir, anotei seu número para fazer com que ela acreditasse que tivesse conquistado um amigo. Quando desci joguei fora o seu telefone e me senti um vitorioso. Cheguei em casa, liguei o som e fiquei sozinho bebendo um vinho. Começou a chover. Fechei as janelas. Se pensavam que conquistariam minha amizade lendo medíocres manuais estavam muito enganados. Quem precisaria de um livrinho para fazer amigos, afinal?

AUTOENGANAÇÃO


Estava com aquele sorrisão na cara quando chegou falando bom-dia e emendando uma piadinha que só ele entendeu. Contou sua vida. Suas proezas. Como passou pelos “altos e baixos que a vida nos impõe”.
E tinha plena convicção de que alguém o ouvia.