TRANSTORNO OBSESSIVO COMPULSIVO E 10 kg DE CARNE


Eu sempre fui atraído por balconistas e caixas de supermercados. E também as garotas que entregam panfletos no semáforo. E essa atração era recíproca. Apenas aqueles segundos eram suficientes para nos apaixonarmos e marcarmos um encontro. Então eu as buscava no final do expediente e as levava para minha casa. Depois eu sumia do mapa até encontrar outra. Era uma espécie de TOC.

Mas a minha verdadeira obsessão compulsiva desse transtorno, meu desejo supremo sempre foram as açougueiras. Eu saia para comprar carne sem necessidade só para vê-las. Gostava de ir ao final do dia, pois já estavam com o avental mais sujo de sangue. Mas ficava nervoso e não as abordava, então apenas deixava um bilhete escrito “me liga”, com meu número anotado. Depois de algum tempo recebi um retorno.

- Alou – atendi.

- Oi. Foi você quem me deixou um bilhete escrito “me liga”?

Confirmei ser eu e ficamos conversando. À noite Deolinda estava na minha casa bebendo vodca.

- Trouxe o avental? – perguntei. Eu havia pedido para ela trazer ele quando viesse após o expediente.

Ela o tirou da bolsa e vestiu. Apenas ele e deitou-se na cama. Fui até a cozinha e trouxe uns 10 kg de carne e uma faca e coloquei na cama.

- Que é isso? – perguntou.

Pedi para ela cortar alguns bifes para mim. Ela levantou-se da cama e começou a se vestir.

- Você é louco.

Joguei-a de volta na cama e sentei na poltrona com uma arma apontada. Ela começou a cortar os bifes chorando. Eu estava em êxtase e acabei apertando o gatilho. Deolinda caiu de cara nos bifes. Peguei os que foram cortados e levei para o freezer, depois busquei na internet o número de um psiquiatra e marquei uma consulta. Precisava tratar esse meu TOC.

CORTINAS


- Tem aqueles que acham que conhecem tudo de tudo. E aqueles que acreditam apenas em suas próprias teorias, sabe? Não conseguem ouvir os outros.

- E não podemos esquecer aqueles idiotas que vagam em uma espécie de limbo e são deprimentemente arrastados pelas opiniões desses que você acabou de citar, e por isso mudam de personalidade a cada dia.

Então decidimos que éramos as melhores pessoas do mundo e fechamos as cortinas.

CONVICÇÕES


Eu insistia. Insistia e insistia. Esgotei toda a minha capacidade argumentativa que já havia me ajudado a convencer desde frígidas madames de rostos costurados até o mais frio dos assassinos. Mas em nenhum momento ela abriu mão de suas próprias convicções.

Então abrimos um vinho e comemoramos o fato dela ter aprendido que qualquer opinião vinda de outras pessoas era mera conversa furada.

MORREU SABENDO


No hospital, minutos antes de minha companheira morrer ela revelou que sabia que eu tinha uma amante e um filho com ela, e que minhas viagens a trabalho eram uma farsa. Eu disse que sentia muito e consegui fazer com que escorresse uma lágrima pelo meu rosto . Desde pequeno eu sabia imitar perfeitamente um choro para evitar as surras violentas da minha mãe. Ela passou a mão no meu rosto e disse que me perdoava. Eu disse obrigado e a beijei. Escorreu uma lágrima também do olho dela. Verdadeira. Quando ela finalmente fechou os olhos (na verdade eu tive que fechá-los, pois ficaram arregalados depois de mortos), liguei para Lila e disse que não poderia voltar para casa naquele final de semana pois apareceram imprevistos no trabalho - um dia teria que mudar essas desculpas.

- Você não está me traindo por aí, né, seu safado? – sussurou no telefone.

- Na verdade você era a amante, e minha verdadeira mulher acabou de falecer. Estou olhando pra ela agorinha.

- Ai, credo. Como você é bobo! Bem, mas traz alguma coisa pro Paulinho, senão ele abre o berreiro. Ah, e pra mim também. Te amo.

Desliguei e chamei a enfermeira.

MUDANÇAS DE COMPORTAMENTO



- É lindo, lindo. É muito amor.

E ficou ali repetindo coisas do tipo - que não explicavam absolutamente nada - enquanto acendia seu incenso e me contava como foi o tal retiro com seus novos amigos peludos e inconformados com o sistema.

- Ah, legal. E o que rolou?

- Muita pureza. Foi lindo, lindo.

- Lindo sou eu, caralho. Pare de repetir a mesma coisa - disse eu, parando em sua frente.

Eu estava nervoso. Acendi um cigarro e servi um duplo sem gelo.

- Olha aqui, sempre tivemos bastante liberdade, por isso não me 
importei em você ir pro meio do mato com aquela gente. Mas agora você está em casa, não precisa mais ficar agindo como um bicho-grilo o tempo todo porque tá ficando forçado. E...merda...pelo menos vai tomar um banho.

Ela me beijou (na testa) e foi para o banheiro em silêncio, tirando a roupa pelo meio do caminho.

Peguei as chaves do carro e fui para o bar do Nico tomar um trago. Fiquei ali pelo balcão conversando com ele. Na verdade resmungando sobre as novas atitudes da minha mulher.

- Se ela continuar desse jeito acho que vamos ter que dar um tempo pra cabeça.

- Ah, mas vocês formam um casal lindo, lindo. É muito amor ver vocês – disse Nico enquanto retirava um narguilé de trás do balcão.