CARTA NÃO ENVIADA


Quando você precisar, pode me ligar a qualquer hora. O dia que quiser. Sinto sua falta. Ao menos mande alguma notícia, caso esteja viva. Até porque se estiver morta não vai ler isso. Mas enfim, acho que você está viva E, porra, sua vadia, sei que já deve estar dando para aquele seu primo do quartel, que até viado é. Sempre soube que tu foi... foi... ah, nem sei o que dizer. Cadela desgraçada. Quer saber, nem precisa me responder. Vai para os quintos dos infernos e espero que s...

A porta do quarto abriu. Era Lisa.

- Surpresa! – falou vindo em minha direção.

Me levantei e desliguei o monitor do computador para ela não ver a carta que eu estava escrevendo.
- Nossa. Por onde você andou, gata? – perguntei, disfarçando uma naturalidade.
- Olha isso. - Disse e mostrou-me um cheque mais gordo do que toda minha vida profissional. Havia ganhado um tal concurso de moda que eu tinha até esquecido que estava participando, e já tinha viagens marcadas por toda a Europa. E quis me fazer uma surpresa me levando junto com tudo pago, além de um convite de casamento, que eu aceitei.
- Vamos comemorar – falei e a tirei do quarto –, escolhe um vinho e coloca um disco da Aretha para nós, baby.
Enquanto ela foi abrir a garrafa, deletei meu texto, desliguei o computador e fui dançar com ela no meio da sala.

CONVERSA ESTIMULANTE


Já estavam altos bebendo a saideira.

- Você acredita em Deus.

- Sim.

- Ah, para. Sério?

- Claro que não.

Sorriram um pro outro e fecharam a conta.

FRUSTRAÇÃO


- O que você ganha me enganando desse jeito?
- Além de tempo, sexo melhor, conversas construtivas com pessoas que não ouvem apenas seus egos e uma vida mais equilibrada?

SEM PALAVRAS VAZIAS CHEIRANDO A VINHO BARATO


Ela queria que eu a acompanhasse naquela maldita festa. Falou que seria diferente daquelas mesmas confraternizações onde se distribuíam palavras vazias cheirando a vinho barato. Não acreditei, mas fomos.
Depois de duas horas, falta de cerveja, uma queda de luz, e dar ouvidos para assuntos de pessoas egocêntrica sobre seus filhos que viajavam para o exterior em busca de uma “carreira sólida”, a encarei com um sorriso irônico de vitória. Ela sorriu de volta e fomos para casa. Mas felizes. Por saber que éramos diferentes. Que éramos melhores do que aquilo.

UMA DESPEDIDA DAS COISAS QUE NÃO SERVEM PARA COISA ALGUMA


Na hora achei apenas curioso. Porém, após o observar por alguns segundos, a surpresa deu lugar a uma espécie de medo, tamanha era a semelhança daquele cara comigo. Me aproximei.

- Olá – falei.

- Olá – respondeu automaticamente, sem demonstrar nenhum espanto por olhar para alguém exatamente igual.

Ele voltou os olhos para o jornal, e vi a cicatriz em sua nunca. A mesma que a minha. Sentei junto dele.

- Desculpe, o senhor...

Ele me encarou,  interrompendo.

- Desculpe, o senhor...

Sorri.

Ele sorriu.

- Qual o seu nome? – perguntei.

- Qual o seu nome? – disse minha cópia.

- Isso é brincadeira – falei sem jeito.

- Isso é brincadeira.

Fiquei imóvel o encarando e tentando entender que diabos era aquilo. Ele fez o mesmo. Apenas me encarou. Fiquei sério. Ele também. Fiz de conta que ele nem estivesse ali. O ignorei e pedi um café para mim. Então ele voltou os olhos para o jornal, também me ignorando. Terminei meu café e levantei para ir embora. Ao chegar à porta, o homem parou ao meu lado. Acendi um cigarro e ofereci outro. Ele ignorou e saiu caminhando em silêncio. Quando dobrou a esquina, entrei no meu carro e fui para casa. Me sentia leve. Esquisitamente calmo. Parecia que tirara um peso dos ombros. Liguei para Niquei, minha esposa, apenas para ouvir sua voz, e ela estava eufórica, dizendo que havia encontrado uma mulher igual a ela na saída do trabalho e que, por algum motivo, depois daquele encontro estranho ela se sentia mais tranquila consigo mesma. Disse que me amava. Eu disse o mesmo e desliguei. Aumentei o volume do rádio. Tocava Aretha Flanklin, se não me engano. Sim, era Aretha.

PSICOINSISTÊNCIA


- Até quando preciso dizer que não rolou nada?
- Até você não aguentar mais ouvir a própria mentira.

O DIABO FOI PRO BAR


Eu tinha consciência que podia estar agindo como um maníaco. Mas como todo mundo é maníaco, segui observando a moça à distância. Ela estava na calçada, esperando alguém. Eu tomava minha cerveja do outro lado da rua. Estava apaixonado. Talvez ela também estivesse. Ou não. Talvez ela quisesse se apaixonar, por isso aquele vestido curto. Justo. Um semideus parado na calçada. Brilhava.
Então ela fez uma careta para o telefone e seguiu caminhando apressada. Fui atrás. Ela parou em uma esquina. Olhou novamente para o telefone. Senti sua tristeza sendo expelida pela sua aura. Ela entrou em um bar. Eu adoro mulheres que entram em bares sozinhas. Confiantes. Independentes, saca? Aliás, adoro todas as pessoas que entram em algum bar sozinhas, ao contrário de quem sente medo de um pouco de solidão e suga o espírito de terceiros. Gente perigosa essa. Bem, mas ela estava lá. Assim como eu também, minutos depois dela entrar. Mas não a encontrei. Pedi um drink e ouvi um sussurro.
- Você é maníaco, ou o quê?
Me virei e me deparei com os olhos gigantes da minha obsessão. Olhos do diabo. Quentes e revigorantes como um show dos Stones, apesar de eu nunca ter ido a um show deles.
- Sou – respondi.
Ela encostou sua boca de leve na minha e falou que era mais maníaca e tomou todo meu drink e me puxou pelo braço até a entrada do banheiro.
Ela tirou duas pílulas cor-de-rosa da bolsa. Tomou uma e me ofereceu outra. Engoli e nos beijamos. Senti que ficava como se estivesse com febre. Quando abri os olhos havia outra garota ao lado dela. As duas começaram a se beijar. Pararam e me encararam.
- Vai lá buscar algo pra bebermos.
Voltei para o bar e não havia mais ninguém. A música continuava. Mas o bar vazio. Voltei para o banheiro. Vazio. Me sentia meio tonto. Fui até o bar e servi eu mesmo uma dose de Jack Daniel’s. A música parou. As luzes apagaram e eu dormi esperando que, ao acordar, estivesse em minha casa para convidar alguém que fizesse com que eu não fosse mais sozinho no bar.